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Era uma vez

Era uma vez, um reino muito distante. Nele, pessoas vestidas com estranhas roupas cerimoniais escuras tinham o poder de, com palavras proferidas de um certo modo ritualístico, modificarem as coisas. Transformavam seres humanos em coisas. Faziam objetos irem de uma pessoa a outra. Mudavam as formas como determinados sujeitos seriam vistos pelos demais. Decretavam a vida e a morte...

Falamos de um mundo de magia? Também. Mas esse pequeno conto de fadas serviria para descrever igualmente parte do funcionamento do Direito em nossa sociedade, hoje ou no passado.

Isso pode parecer inusitado para quem nunca parou para refletir sobre o tema ou sob tal perspectiva. O mundo jurídico não deixa de ser um mundo de magia!

Determinadas vertentes da Filosofia do Direito realçam que as normas jurídicas, tal qual os demais tipos de normas criadas por nossa sociedade (como as normas morais, de etiqueta, religiosas etc.) fazem parte do chamado "mundo do dever-ser", criado pela racionalidade humana em contraposição ao material "mundo do ser". Naquele, o ser humano valora os objetos e os acontecimentos do mundo real, dando-lhes sentido, finalidade, um valor intrínseco. As condutas tornam-se lícitas ou ilícitas, legais ou ilegais, morais ou imorais, certas ou erradas, benditas ou amaldiçoadas...

Para ordenar a vida em sociedade, para regular a conduta humana (talvez, para algumas linhas de pensamento crítico-marxistas, para manter a exploração de alguns), surge o que chamamos de Direito, em que, por meio de palavras, se criam seres mágicos com poderes estrondosos: o Estado, o juiz, a prisão etc. Criam-se vínculos mágicos entre as pessoas: os contratos, o casamento, a adoção etc. Muda-se, com magia, o estado das coisas: palavras e objetos são proibidos, costumes são proscritos, seres humanos podem ser escravizados, etc. Essa magia jurídica faz parte de nosso dia a dia desde tempos imemoriais, numa intensidade pouco percebida pela maioria de nós.

Com licença poética, podemos afirmar que o Direito é um mundo de faz de conta em que, por meio de mágicas, o mundo real se torna diferente do que era. É com base nesse tipo de comparação que surgiu a ideia desse nosso blog: tratar de forma divertida, mas com a profundidade necessária, de assuntos jurídicos diversos, sejam filosóficos, sejam questões práticas atuais. A intenção é a de dialogar com o público geral, razão de uma linguagem o mais acessível possível; contudo, gostaríamos que ele fosse também relevante para os estudantes de Direito e para a todos aqueles que escolheram essa área como o par romântico da vida acadêmica ou profissional.

Direito, fantasia e ficção científica são assuntos mais próximos do que parecem! Comecemos essa jornada!


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